domingo, 29 de abril de 2012

No Brasil, quem não deve teme

Quando eu era criança já era comum os noticiosos exibirem manchetes sobre corrupção, desvio de verba pública, desonestidade generalizada por parte da classe política. Cresci ouvindo gente sem muita informação indignada xingado os "ladrões" e depois pude ouvir indignações um pouco mais elaboradas por professores na escola, e, ato contínuo, saí da escola e me tornei eu mesmo um indignado xingador. Ora, essa é a regra, não é? Será que alguém foi educado nos anos 80 ou 90 e aprendeu que o exemplo de retidão de caráter é dado exclusivamente por pessoas que exercem cargos públicos? Talvez a expressão "mentir para si mesmo" encontre aqui um lugar para se sentir confortavelmente instalada, mas fora isso creio que não existam exceções. Mas um dos questionamentos que a minha geração (e as anteriores, e as posteriores...) mais ouviu foi a seguinte: "por que nenhum político corrupto vai para a cadeia?". Ouso dizer que essa pergunta não está incorreta, mas está incompleta. O mais correto, na minha opinião seria indagar: "por que nenhuma pessoa corrupta com algum poder e influência vai para a cadeia?". Eu não entendia por que essa questão tão óbvia não era logo resolvida, pois o clamor popular por justiça há algumas décadas era mais fraco (não existia internet), mas sempre existiu. Eu não entendia, pois não fui treinado para entender. Fui treinado para xingar, para me indignar, para questionar. Por outro lado também fui treinado para esquecer disso tudo e me entreter com bobagens e idiotices populares, mas fui incompetente para aprender essas coisas, e depois de algumas décadas (estou ficando velho) continuam tentando me doutrinar, mas desisti de tentar aprender, já estou quase ranzinza. Enfim, para quem - como eu - sempre se sentiu ressentido de conviver com essa pedra no sapato, eis a resposta que ouvi há uns dias no jornal: "existe um projeto tramitando no congresso para que ao crime de improbidade administrativa seja comutada pena restritiva de liberdade". É simples assim: para quem enriquece ilicitamente com o dinheiro suado do povo, não há na lei previsão para ir para a cadeia. Na minha infância e adolescência eu sempre achei que isso fosse coisa de gente safada. Mas não: é a lei. Já ia atirar os braços para o alto em desespero absoluto, mas nem tudo está perdido: ao menos a lei estipula que o "ladrão" deve devolver o dinheiro produto da improbidade, entre outras penas ridículas, Paulo Maluf que o diga, uns 3 milhões mais pobre recentemente. É pouco, é quase nada, mas é algo. A nova lei Maria da Penha foi uma boa porque bota na cadeia os maridos machões? Ótimo, mas que tal agora uma nova lei de improbidade administrativa que bota na cadeia as pessoas desonestas?

domingo, 22 de abril de 2012

você cumpre pena?

Está hoje na berlinda a revisão do código penal brasileiro, pois trata-se de um texto elaborado na década de 40. É considerado defasado, já que o contexto em que foi escrito mudou bastante. Vejo doutrinadores de peso como Rogério Greco criticando severamente o código penal e ironizando-o, considerando ridículo alguns preceitos que na época eram vigentes e hoje foram superados. Será então que as leis mais recentes estão desprovidas de tais absurdos? Vejamos.
A lei 8072 é da década de 90 e não considera "matar alguém" como crime hediondo, mas considera hediondo o crime de falsificar produtos terapêuticos. Se alguém estiver em dúvida sobre dar dois tiros no peito do vizinho ou adulterar um chá, é melhor não pedir conselhos à lei.
Já a lei de crimes ambientais, muito em voga devido às tragédias provocadas por companhias exploradoras de petróleo ultimamente, me faz sentir um criminoso. Na verdade essa lei diz que a vida que milhares, e talvez milhões de brasileiros, levam é um castigo por ter praticado crime ambiental. Essa lei é de 1998 e traz, entre outras, a penalidade de recolhimento domiciliar para quem cometer infração considerada crime contra o meio ambiente, e diz o que é esse tal de "recolhimento domiciliar": O recolhimento domiciliar baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado, que deverá, sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer atividade autorizada, permanecendo recolhido nos dias e horários de folga em residência ou em qualquer local destinado a sua moradia habitual, conforme estabelecido na sentença condenatória.
Como assim? autodisciplina é esperada de alguém que praticou crime. Senso de responsabilidade é esperado de quem praticou atos irresponsáveis. E a pena consiste no seguinte: trabalhar, ir para casa descansar e estudar. Identifiquei-me com essa pena, estou cumprindo-a já há muitos anos e creio que minha sentença foi perpétua. Franz Kafka, no século passado escreveu sobre isso em seu livro "o processo", mas no livro a pena do condenado foi a de ter a vida ceifada. No Brasil, hoje, a pena é mais cruel: recolhimento domiciliar até a morte.

domingo, 1 de abril de 2012

O inferno é fogo

Briga dos infernos, disputa dos diabos, discípulos do capeta. É impressionante como linguisticamente se pode atribuir significados tão apurados ao que acontece nas cúpulas de grandes (e ricas) denominações religiosas no Brasil, que , sob a égide da retórica eclesiástica, insistem em tentar subverter a semântica proclamando "somos soldados do bem, opositores do mal, seguidores do Salvador". Essa situação de guerra pelo poder entre Edir Macedo e Valdemiro Santiago, conforme noticiada nos canais de comunicação, traz à tona um fato que sempre esteve à tona: o mercado da fé.
Embora o povo brasileiro já tenha sido apontado por alguns escritores pela característica de ter memória fraca, felizmente hoje temos a internet para nos bombardear sem piedade com imagens de pastores da igreja universal achacando fiéis e de vez em quando somos até surpreendidos com declarações do próprio Edir sobre estratégias para arrebanhar mais "ovelhas".
Já sobre Valdemiro temos as denúncias e indícios apresentados pelo Ministério Público sobre seu envolvimento em crimes de naturezas diversas. Diversidade, aliás, é um dos métodos bastante usados por ambos nesse mercado.
Ao se analisar, contudo, os dois lados dessa moeda, pode-se verificar que ela não é composta por um lado bom e um ruim, como se esperaria normalmente. Ela tem um lado maldito e outro satânico. Lancemo-na ao fogo do desprezo e deixemo-la queimar eternamente para que o mercado da ignorância dê lugar ao mercado de qualquer outra coisa que tenha pelo menos um resquício de lado bom para se apoiar.