domingo, 25 de dezembro de 2011

Indignados ou indignos?

"Em nada a ajudam, é claro, sua inclinação a falar exatamente o que pensa e sua pouca paciência para adoçar o que fala." Essa frase foi usada por um jornalista para descrever a atual situação da corregedora Eliana Calmon perante magistrados e não magistrados mas interessados no jogo político que se engendra no conselho nacional de justiça, na revista veja dessa semana.
Existem algumas perspectivas distintas para se analisar a primeira frase do parágrafo acima: uma delas é avaliar a adequação semântica das palavras e rotular o tom da afirmação, outra maneira possível é tentar estabelecer uma relação entre as atitudes tomadas pela corregedora e o que foi descrito pelo jornalista. Vejamos então. O tom da afirmação é de denúncia. A relação entre o que Eliana Calmon disse e fez é pertinente em relação ao que foi descrito.
Pode parecer importante estabelecer essas relações de coerência entre o que foi dito e o que aconteceu, mas não é. O importante aqui, como em quase todo texto, é atentar para o conteúdo implícito nas entrelinhas e perceber que o problema nesse caso específico é o mesmo desde que Portugal estabeleceu aqui uma colônia.
A frase que abre o corrente texto explicita que Eliana Calmon fala o que pensa, e não distorce ou maquia suas palavras. Leve-se também em conta que ela está fazendo o que é paga para fazer. E tudo isso a está prejudicando. Quando se adentra em alguns estudos sobre o direito constitucional, administrativo e quando se nota que tanto neste como naquele permeiam aspectos sobre o poder judiciário, têm-se uma completa percepção de complexidade sobre o tema. Mas o que acontece aqui não é nada complexo: uma servidora pública está trabalhando e dizendo o que pensa - o que é obrigatório segundo a constituição, por ela representar o interesse público - e muita gente está se sentindo indignada por isso.
O poder judiciário tem o dever de julgar com imparcialidade, mas agora é motivo de indignação colocar isso em prática. Falar o que se pensa também parece não ajudar em nada; ou seja, a clareza, publicidade e exatidão exigidas do judiciário também não devem ser colocadas em prática para não suscitarem "indignação" de magistrados, inclusive de alguns da mais alta corte de nosso país.
Trabalhar com honestidade e se expressar sem mentir é algo que prejudica uma carreira, pensei que fosse o contrário. Mas Eliana nem foi tão agressiva assim, ela apenas citou os bandidos escondidos atrás da toga, deixando de lado os escondidos atrás da gravata. Mas estes nem ficariam indignados, já estão acostumados de serem acusados de corruptos. Apenas dariam boas risadas e depois mudariam para uma expressão de seriedade se perguntados sobre um comediante ter infligido o código penal fazendo uma piada de mal gosto sobre uma cantora brega. E agora? "Rir para não chorar" já deixou de ser ironia e não me avisaram?

domingo, 18 de dezembro de 2011

A verdade não existe, estou mentindo.

Entre o paraíso e o inferno. Entre deus e o diabo. Entre o bem e o mal. Entre o amor e o ódio. Durante muito tempo houve completa ausência de questionamento sobre o caráter unilateral da veracidade de frases de efeito como essas. Não mais.
"Nenhum direito é absoluto", ouve-se dos juristas. "Ninguém é dono da verdade", ouve-se do bêbado no bar. Mais importante do que simplesmente refletir sobre o significado de algumas frases tidas como inequívocas é estabelecer uma relação entre elas.
Nesse último ano as revoltas árabes têm colocado em voga a sede de alguns estados por democracia. No Brasil, desde a queda do regime militar têm-se glorificado o estado democrático de direito. Conviver com o desconhecido, aceitar diferenças e respeitar a dignidade da pessoa humana são mandamentos constitucionais que imperam nos discursos demagógicos e não demagógicos desde 1988, e desde que o Brasil começou a pleitear uma cadeira na ONU essa glorificação se intensificou.
Eis aonde quero chegar afinal: não existe hoje sequer uma ideia, por mais óbvia que seja, que não encontre oposição. Alguns poderiam argumentar: "Impossível alguém preferir o mal ao bem e conseguir defender tal propósito"; os satanistas estão aí para provar que é possível sim. Outros poderiam questionar: "Entre amor e ódio, temos que trabalhar para erradicar completamente o ódio", e encontrariam opositores ferrenhos sem precisar dobrar a esquina. "Joguemos as mãos para o alto em desespero e desistamos de achar pontos de convergência então" diria alguém menos propenso a raciocinar. Mas existe a dialética, hoje em dia não esquecida, mas usada de formas tão tênues e sutis que acabam mascarando-a de sorte que as vezes não conseguimos vê-la em alguma ideia e ao tentar aplicá-la onde ela já existia, acabamos por anulá-la por completo.
Vejamos um exemplo: dizer que violência gera violência ou dizer que um erro não justifica o outro. Ambas as frases são dignas de respeito, e são defendidas de acordo com a visão de que argumentos positivos para o convívio em sociedade as enaltecem e ao mesmo tempo servem para repudiar os negativos. Diante disso, alguns têm disseminado o ódio ao ódio, mas não o amor ao amor. Ser politicamente correto é ser brega, ser politicamente incorreto é ser "do contra" e "modista", estar em dúvida e fazer questionamentos é pregar o niilismo.
Lembro-me do filme "Operação Orquídea", em que alguns dissidentes do exército de Hitler queriam assassiná-lo, e o protagonista pergunta: "sim, e depois fazer o que?". Creio que hoje acontece algo parecido, devido ao grande número de informações a que somos expostos, principalmente pelos recursos da internet, de que dispomos cada vez mais, independentemente da classe social.
Não precisamos ser totalmente contra ou a favor de tudo que nos é oferecido e apresentado, nem é necessário bipolarizar todas as ideologias, basta entender (como diz FHC) que quando duas ideias diferentes se encontram, antes de refutar qualquer uma das duas, é preciso abrir espaço para o diálogo.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Habitantes do Pará, têm piedade de nós!

No dia 11 de dezembro de 2011, a população do Pará irá participar do plebiscito sobre o desmembramento do estado em três partes. A constituição estabelece que somente os cidadão diretamente interessados têm o direito de votar. Acredito ser essa divisão de interesse de todo brasileiro, mas como o termo "diretamente" só é aplicado a quem reside no atual estado do Pará, os demais serão obrigados a assistir a esse plebiscito de braços cruzados.
A questão é polêmica, ou seja, argumentos contra e a favor são defendidos. Os argumentos a favor são todos parecidos com promessas de campanha política em véspera de eleições, o mais apelativo deles sendo o de que a divisão proporcionaria melhor atendimento às comunidades carentes que vêm sofrendo com falta de necessidades básicas como saneamento, saúde e educação. O que há de concreto e verificável nessa ideia? Nada, ela é bonita e sedutora, assim como foram as promessas de campanha de quem foi eleito se comprometendo a acabar com os mesmos problemas.
E o que poderiam os muitos "indiretamente interessados" alegar para não apoiar a criação de mais 2 novos estados, promessas de que sem o desmembramento a miséria da população carente diminuirá? Mais do que sedutor, eis um argumento verificável, técnico, tangível, claro e inegável: mais dinheiro sairá do bolso do contribuinte brasileiro residente em qualquer estado, e sem nenhuma garantia de que tal pagamento compulsório será bem aplicado, exceto por promessas que ouvimos há séculos (daqui a 6 anos José Sarney completará meio século de promessas não cumpridas, para se ter uma ideia).
O congresso nacional é composto por 513 deputados federais e 81 senadores. São 594 legisladores muito bem pagos para exercer funções típicas (legislar = fazer leis) e atípicas (fiscalizar os gastos do poder executivo). Cada um desses 594 excelentes (oficialmente eles são reconhecidos pelo pronome de tratamento de Vossa Excelência, até o Tiririca) tem direito de nomear mais algumas pessoas, cujos salários sairão do bolso do contribuinte. Cada excelente tem também direito a muito mais prerrogativas que qualquer um do povo não tem, como plano de saúde especial, imunidade parlamentar etc... Mas alguns podem se perguntar por que estou inserindo esses dados, e a resposta é óbvia: a criação dos estados de Tapajós e Carajás irá aumentar também o número dessas criaturas excelentes, com todas essas prerrogativas que lhe são conferidas: 8 deputados federais e 3 senadores. Some-se a isso os mais de vinte deputados estaduais, 2 governadores, 2 prefeitos, vereadores e toda a estrutura para albergar toda essa excelente cambada. Sem levar em consideração eventuais desvios de verbas, isso custará milhões de reais mensais.
Criar mais dois estados é como aumentar a conta da contribuição sem gerar receita. É como dar dinheiro a quem não precisa, achando que tal verba seria aplicada em programas em benefício de quem realmente necessita. Se a administração no Brasil é ineficiente, aumentar o número de administradores em vez de melhorar a atuação dos mesmos não faz nenhum sentido. Assistamos então ao plebiscito e vejamos se os "diretamente interessados" preferem fazer valer à excelência de seu voto o poder de veto aos aspirantes ao título de excelência ou dar-lhes tal condição e mandar a conta para o resto do país dividir.