domingo, 12 de dezembro de 2010

Feliz natal a todos!

O natal se aproxima, e eu fico às vezes pensando sobre o efeito psicológico que essa época do ano causa nas pessoas. Em mim por exemplo, traz uma certa nostalgia, lembro de vídeo-game atari e dos brinquedos que eu ganhava, de poder ficar acordado até de madrugada sem precisar baixar o volume da televisão porque alguém está dormindo, de poder usar dentro de casa aquela roupa nova que era apenas para usar na casa dos outros, lembro-me também de ir às lojas e supermercados que ficavam abertos até as 10 da noite apenas nesse breve período de tempo, e isso era especialmente agradável, pois nessa época do ano, sempre faz muito calor de dia, e também era bom poder tomar aquela golada de cidra cereser junto com os adultos, que geralmente já estavam tomando alguma coisa desde a tarde.
Aquela conversa de que no período natalino nossos corações se enchem de bondade, e que um sentimento de amor ao próximo nos toma de assalto não faz muito sentido para mim. Quanto sinto essa nostalgia de clima de natal reverberando em minhas lembranças, eu só consigo me recordar de presentes, comida, festas, férias escolares e essas outras coisas que crianças egoístas (e todas as crianças são egoístas, ou alguém já viu uma criança pedir um saco de presentes para dividir com os amigos?) adoram.
Eu nunca gostei de dizer as coisas apenas por dizer, nunca gostei de usar as palavras para manifestar algo que eu realmente não estivesse pensando. E quando ouço ou leio por aí no comércio frases como “boas festas”, “feliz natal” e “próspero ano novo”, geralmente eu sinto falta do tempo de quando eu era criança e achava que essas frases eram ditas porque o tal espírito natalino enchia os corações das pessoas de bondade.
Convenhamos, ninguém está desejando “feliz natal” ou “próspero ano novo”. Eu fico imaginando duas pessoas que trabalham no mesmo ramo de negócios desejando próspero ano novo um ao outro, necessariamente quem deseja um próspero ano novo ao outro está desejando a si mesmo um decadente ano novo. Fico imaginando também o que realmente está pensando aquele caixa de supermercado quando ele ou ela me diz ternamente “muito obrigado e tenha um feliz ano novo, senhor”. Não gosto quando alguém me chama de senhor, e duvido que alguém que nunca me viu na vida deseje que eu tenha dias felizes. Eu desconfio que todos aquelas pessoas xingam mentalmente os consumidores e desejariam estar em casa bebendo e vendo televisão.
Natal é tempo de felicidade, de confraternização, de rever amigos e familiares, de sermos menos hipócritas e mais sinceros uns com os outros! Vamos desejar feliz natal e um próspero ano novo somente às pessoas que nós realmente queremos que tenham um feliz natal e um próspero ano novo! Eu gostaria de sair para comprar uma cidra cereser esse ano lá pelas 20:00 do dia 24 de dezembro, e ouvir a seguinte frase do caixa e do empacotador do mercado: “você provavelmente é uma pessoa de classe média que obviamente não está trabalhando agora, enquanto eu tenho que ficar aqui em pé até as vésperas da ceia de natal, eu não te desejo nada, desejo é que no ano que vem eu esteja no seu lugar, e você no meu”. Não que eu ache importante que todos possam celebrar a ceia de natal, eu mesmo não faço questão, não vejo significado em celebrar esta data, que na verdade é a data do solstício de inverno, e não o nascimento de alguém. Na verdade desde 1992, eu tenho passado todos os meus solstícios de inverno trabalhando na hora da ceia, e isso nunca me incomodou. O que me incomoda são os sorrisos insinceros e as frases mentirosas.
Os sorrisos em particular, me deixam inquieto. Será que todos pensam que no mundo só existem pessoas com condição suficiente para poder celebrar o natal com a família e os amigos? Natal é claramente um artifício para vender produtos manufaturados, mas se eu fosse vender algum produto, eu faria o seguinte anúncio: “compre cidra cereser para celebrar mais um solstício de inverno que na verdade só deveria ser comemorado no hemisfério norte, pois em dezembro no Brasil é verão, e eu não tenho obrigação nenhuma de desejar feliz natal para ninguém”.
É, soa um pouco arrogante, melhor tentar ser mais agradável: “tenham todos um feliz natal, embora milhares de cidadãos em todo o país e em todo mundo vão morrer, ter derrames irreversíveis, vão contrair doenças crônicas, perder o emprego, ser despejados de casa, amputar um membro do corpo, ser assaltados, ser atropelados, esfaqueados, fuzilados, presos injustamente, apedrejados, morrerão de fome, de sede, de doenças tratáveis como malária, vão ser vítimas de corrupção, vão perder um ente querido, mulheres serão estupradas e algumas assassinadas brutalmente, outras vão ser espancadas pelos maridos etc...”
Esse seria um “feliz natal” dentro da realidade. Mas tenho certeza de que a maioria prefere aquele “feliz natal” insincero dito por uma linda atriz de dentes impecavelmente brancos no comercial de TV.