domingo, 1 de julho de 2012

Fala Pompeu!

Essa semana houve um fato muito peculiar e pensei em tecer alguns comentários sobre ele, mas o Senhor Pompeu de Toledo publicou um texto simplesmente magnífico e elegantemente sedutor a respeito do ocorrido, então gostaria de reproduzir seu texto na íntegra: Iam mestre e Discípulo por uma bucólica estrada do Oriente quando ouviram uma voz a apregoar, por detrás de uma árvore: “Tenho um minuto e meio para vender”. Ao Mestre, o mais sábio entre os sábios, a voz não enganada. O tom artificial, o jeito de escandir as sílabas forçando-as até o limite... Era ele: Belial, Belzebu, Mastema, Semihazah, Azazel, Satã, Satanás. Também conhecido como o Cão, o Tinhoso, o Tisnado, o Coxo, o Rabudo. O Discipulo olhou para o Mestre, em busca de orientação. “Tenho um minuto e meio para vender”, repetiu a voz. O mestre considerou por um instante a situação. Um minuto e meio era artigo precioso demais para ser rejeitado assim sem mais nem menos. Além disso, se não o comprasse ele, outro o faria. Na mochila em que preparava a ração do Discípulo, ele já levava quase seis minutos. Com mais um e meio poderia considerar-se um milionário de minutos. A medida de Deus, como se sabe, é a eternidade. O Demônio, que é mais realista, aprendeu que em certas situações mais vale seduzir com minutos. O Mestre apaziguou o inquieto Discípulo. “Não se preocupe. Venha comigo e faça sempre o que lhe disser”. O Mestre tinha confiança desmedida em sua própria sabedoria e em suas intuições. Esperto por esperto, pensou, não é um Rabudo qualquer que vai me passar a perna. Pegou o Discípulo pelo braço e enfiou-se com ele para detrás da árvore. Negociaram no escondidinho. “Ufa, assim é melhor”, pensou o Discípulo. Mais confiança ainda depositou no Mestre: ele sempre sabe o que faz! A negociação fluiu muito bem, à sombra protetora da árvore. Acertaram o preço. Tudo já praticamente liquidado, faltava a entrega da mercadoria. Satanás disse que a guardava em casa. Um minuto e meio é produto precioso demais para ficar andando com ele no bolso. Convidou-os a ir à sua casa, para apanhá-lo. Como é sabido, se o ofício de Deus é perdoar, o do Demônio é tentar. Azazel tinha um plano, ao atraí-los à sua casa. Bem que o Mestre, a quem nada escapa, pensou duas vezes antes de concordar. Mas o prêmio do minuto e meio falou mais alto. Belzebu, como é também amplamente sabido, mora num lindo palacete. A mansão tem muros altos; impossível ser vista de fora. O Mestre considerou que estariam tão protegidos quanto atrás da árvore. “Nada a temer”, disse ao Discípulo, cuja inexperiência se revelava numa expressão de desassossego. “É só vir comigo e fazer sempre o que lhe disser”. A princípio tudo correu bem, na casa do Príncipe das Trevas. Ele mostrou-lhes o minuto e meio. Ali estava, reluzente como uma joia, num baú em que os visitantes puderam vislumbrar, porque escapavam pelas bordas, também extratos de contas de bancos em várias partes do mundo e até, estranhamento, alguns frangos. Depois, convidou-os a passar aos lindos jardins do palacete. Era nesse cenário que, segundo seu plano, teria lugar a melhor parte da peça. Outro dos nomes de Satã é Macaco de Deus. Ele está sempre a macaquear Deus. Estes enviados de Deus que são os santos promovem curas ao simples toque das mãos no corpo dos aflitos. O Macaco de Deus imita-os. Como é de sua índole perversa, porém, não é para curar que o faz. A intenção do Tisnado é tisnar o tocado com suas manhas. Uma vez no jardim com os convidados, Belial mostrou-se insuperável na arte da expressão corporal e do toque. Dirigiu-se ao Mestre com os polegares em sinal de positivo. Abraçou-o como se fossem velhos camaradas. E, num momento entre todos significativo, levou a mão à cabeça do Discípulo, acariciando com paternal beatitude seus negros cabelos. Com o gesto, fazia-o seu. Indicava que, tal qual o Mestre, também tinha reservas de ternura e zelo protetor a oferecer. Ao invés do que ocorrera por detrás da árvore, fotos e filmes registraram a cena. Se há uma coisa que o Demo aprecia é fazer as coisas ao contrário. Às vezes, ele se apresenta com os pés ao contrário; em outras, fala ao contrário. Desta vez, posou para as câmeras como se fosse um ente normal, com quem não se teme fazer negócio às claras. Era isso que tinha em mente; conseguiu-o. O Mestre parecia constrangido, mas, bem pesadas as coisas, consolava-o o minuto e meio que já tinha guardado na mochila. Quem vai lembrar, quando chegar a hora de a onça beber água, que para consegui-lo pagou um sobrepreço? O Discípulo tinha a pulga atrás da orelha, mas quem era ele para duvidar das estratégias e dos estratagemas do Mestre? Esta fábula não tem moral. No oriente, onde se passa, costuma dizer que o que tem é imoral, ou amoral. São muito escrupulosos por lá.